03/09/2012

Último Movimento: Rapsódia do Prisma de Cristal

Maximiliano! Eu disse! Eu bem disse! Sabia o tempo todo! Eu lembro quando nascestes Max. Criancinha chata, irritante e tola, como todas na marcha que crescem para ser adultos chatos, irritantes e tolos. Mas tu não, decidiste um fim prematuro! Não poderia ser diferente, depois dos muitos espinhos, da dança do Panapanã Azul, dos rituais da caverna... Esta aí teu corpo estendido no chão...

Corajoso, mas tolo, Max. E eu te observei, todo esse tempo... E passaste por tudo isso... Pra quê? Não era melhor ter permanecido na Marcha?!?
Tua vida, teu conforto, teu pão e água miseráveis?

Venha, Maximiliano. Precisamos discutir esta tua conduta... Fale!

- Oi?
- Finalmente, menininho.
- Onde estou?
- Isso não é muito relevante.
- O que houve?
- Isso não é muito relevante.
- Estou morto?
- Isso não é muito relevante.
- Quem é você?
- Isso é extremamente relevante.
- Então, como se chama?
- Isso também já não é relevante.... Estavas indo tão bem... Sempre me decepcionas, Maximiliano
- Do que está falando?
- Dessa sua vidinha miserável e insignificante, é claro! Correndo por entre espinhos, comendo maçãs, se tornando um estorvo para um tão bela Marcha!
- Não compreendo.
- E como poderias? O que esperavas? Fama e glória? Autoconhecimento e iluminação? Só conseguiu uma morte dolorosa, estás vendo?
- O que é você? O que quer de mim?
- Uma mistura. Um redemoinho de lógica e misticismo. Subproduto de milhares de desejos,  impressões e conclusões deturpadas, inclusive das tuas.
- Como assim?
- Como "como assim"? Sou o que queres de mim, sempre fui. Não é exatamente o que esperavas não é? Chorarás, pequenino? Não suportas o reflexo de teus desejos mais crus?
 - Não sei se é exatamente isso que quero.
- Nunca sabes o que queres, Maximiliano. Eis o problema! Se não estiveres definido, eu tampouco estarei. Suprima-se logo de uma vez e suma!
- Sei o que não quero agora.
- E o que poderia não querer, ó ínfimo pedaço de consciência?
- Tua presença! Abomino-te! Não quero que continue com seja lá o que fazes! Proíbo e me dou o direito de proibir que prossiga com essa tua existência medíocre e inútil. Cesse e desapareça.
- Duras palavras, Max. E nada posso contra elas, tu és livre para continuar tua vida sem mim. Só não reclames depois. Adeus.

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 A escuridão da caverna penetrava silenciosamente pelos poros de Max. 
O Corpo de Maximiliano jazia inerte em meio de uma erupção imaterial. A consciência permanecia inquieta, desfez-se e refez-se inúmeras vezes...
A Alma e a Mente de Maximiliano se divorciaram, o Corpo era a única coisa que mantinha esses elementos terrivelmente incompatíveis juntos. Decidiram tomar caminhos separados, Alma seguiu para a Bela Floresta, Mente para as Montanhas do Sul.

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Alma estava livre, apreciava o Panapanã e fundia-se com a terra e as águas, dobrava-se ao vento e agitava-se aos delírios líricos de Poesia e Música na Bela Floresta, viajava sobre os raios de luz e preenchia-se de prazer pelo caminho, reverberava o som dos pássaros.
Um belo dia  conheceu a Dor, a acalentou, e após longa discussão decidiu viajar por alguns anos pelo mar, conhecendo ilhas e atóis e praias de areias brancas, explorou também as profundezas do Medo, certa vez diluiu-se em uma de muitas tormentas de Tristezas para ao fim presenciar uma maravilhosa alvorada pós-tempestade, repetiu o processo algumas vezes.
Em terra firme conheceu o campo e seu tédio idílico onde também vislumbrou crianças e filhotes de raposa brincando ao ar livre, como irmãos. Saboreou umas pequenas tortas de entortar o paladar enquanto se distraía com as amenidades do caminho. Houveram umas duas vezes que a paisagem campestre tornou-se muito íngreme e atingiu picos indescritíveis, Alma podia sentir que dominava o mundo, mas só umas duas vezes...

A viagem era longa, experimentava os novos lugares e conhecia as antigas criaturas, a cada caminho que seguia Alma destaca um pedaço de si para doar ao caminho e absorvia gentilmente um pedaço da existência, ia lentamente incorporando-se ao Todo.

Alma esqueceu.
Alma esqueceu e desapareceu.

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Mente estava livre, podia criar e entender o que quisesse, nenhuma restrição era aplicável agora.
Do topo das Montanhas concebeu a Vida e refez o Universo a sua imagem e semelhança, reconstruiu a razão, a estética e a moral como melhor lhe convinham, alinhou os planetas em novos conceitos livres, definiu formalmente uma quinta dimensão para espaço-tempo, excluiu o princípio do terceiro excluído.
Trocou os nomes dos objetos, das cores e dos elementos em geral, concordava consigo que era muito mais interessante chamar as cores de Acetil e Salicílico e chamar o ácido de Vermelho-Azul e que era muito mais preciso e prático chamar seu processo de criação, renomeação e reestruturação das coisas de Esquizofrenia do que associar o termo a um distúrbio de si.
Apoderou-se de seu Subconsciente e o fez trocar de posição com seu Consciente, podendo assim anular metade das próprias conclusões, refinar um terço, por um quarto em análise, comparar um quinto com um sexto, reafirmar um sétimo e assim por diante, designando uma ação mental para cada fração da série harmônica.

Compreendeu-se e tornou-se parte integrante, mutável e essencial de suas próprias criações, reconstruindo de uma vez por todas o Tudo.

Mente esqueceu.
Mente esqueceu e desapareceu.

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No princípio, antes do Tempo, só havia Nada
Sem desejos a perseguir, sem o pensamento frio
Faltava o amor, mas sem armadilha preparada
Escasseavam dúvidas, sequer solidão no vazio

Como zombasse, em espesso vácuo entrementes
De súbito, veio intensa e soberba rajada
Que rugindo alto revirou e preencheu o Nada
Cobrindo-o de movimento, olhares, sementes

Lar de mil deuses moribundos e seus espólios
Ainda assim, nada era maior do que o Todo
E mesmo assim, Nada era mais do que o Tudo

A matéria espiralava num balé mudo
Ao redor de um ponto, convergia a seu modo
Nada, Tudo, Todo. Max, ao final, abriu os olhos

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